quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Onde mora a infância


Ser criança é ser feliz, dizem por aí. Não que a vida adulta seja um martírio. Mas a infância é como uma gargalhada gostosa e atrevida, que sai massageando o peito. Nunca ouviu? Ela ressoa sempre nos bons momentos e, especialmente, em algumas esquinas da cidade. É porque, além de habitar o coração dos pequenos e de quem a cultiva, a infância escolheu pontos de Belo Horizonte para fazer morada. Fácil, fácil de encontrar. Também costuma ser barato ou até de graça. No bolso, basta o dinheiro do picolé, sem problemas. E nem precisa escolher um dia como hoje, das crianças e abençoado por Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil.

A infância corre na Liberdade, de preferência em cima de uma bicicleta. Ela faz a praça, na Região Centro-Sul, se tornar o maior lugar do mundo. Onde é possível acelerar os passos em direção incerta, conquistar a independência, mesmo que sob os olhos atentos dos pais, e fazer descobertas incríveis. “Mãe, estou andando sozinha”, comemora Luiza, em cima de sua bicicleta rosa, do tamanho exato de seus 3 anos. De bandeja, lá vem a tal gargalhada brotando do sorriso da mãe, Renata Staino Costa Fabel, de 37 anos. “É maravilhoso! Enquanto curtimos esses passeios, vivemos a infância novamente”, vibra, diante do coreto, também cenário dos seus primeiros anos.

Mas ser criança tem lá suas obrigações. Brincar é a principal delas. Melhor se for na companhia dos animais do zoológico, na Região da Pampulha, e com direito a piquenique no fim do passeio. Dá até para brincar de super-herói, que não teme o famoso gorila Idi Amin, o enorme elefante, o bravo leão e nenhum bicho. Pensando bem, apenas um, na opinião de João Henrique de Almeida, de 4. “Só tenho medo do dinossauro”, diz o menino, garantindo que já viu um indivíduo da espécie dando sopa pelo zoológico. Palavra de quem conhece. Nos últimos dois anos, foram pelo menos cinco passeios no zoo.

Conhecimento de causa sobre a garotada quem tem é o Parque das Mangabeiras, no bairro de mesmo nome, na Região Centro-Sul. São quase 3 milhões de metros quadrados livres para ser feliz. Deitar e rolar na grama verde, fazer amizade na área dos brinquedos. Só não vale nadar na Praça das Águas, onde o permitido é alimentar os peixes. Mas nadar na cachoeira pode. Maria Teresa Gentil, de 3, já foi várias vezes. Até o mais novo integrante da família, Antônio, de 5 meses, passou por lá. Na empreitada, teve proteção especial. O irmão mais velho, Samuel, de 13, é escoteiro no parque, consequência da intimidade com a área verde.

QUINTAL
Agora, se a infância tem um quintal, ele é o Parque Municipal Américo Renê Giannetti, no coração da cidade. Um quintal com cara de fazenda, de cidade do interior, onde o maquinista do trem passa acenando para o povo. No passeio, que combina com gente de todos os lugares, a tropa do João Rafael Antunes, de 58, com 17 burrinhos, não pode ficar de fora. Ele mesmo viveu seus tempos de menino no parque, ajudando o pai no trato com os animais. O Chinelo, um dos burrinhos, foi batizado pelos visitantes.

Mas o xodó da tropa é o jumento Canário. Segundo seu Rafael, “ele está beirando os 38 anos”, perto de se aposentar. Quantos sonhos não carregou... Gente famosa também. Sábado mesmo, o ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, de 57, passeava com o neto Davi, de 3. “Eu vinha quando pequeno, trouxe meus dois filhos e agora os netos. Gosto muito do parque: é plural e democrático.” Assim como a infância, que solta pipa na Praça do Papa e anda no carrossel do Parque Guanabara, na Pampulha.

No percurso dos novos, velhos e eternos tempos da garotada, esses espaços são parte da memória afetiva de quem mora ou já curtiu férias em BH. É herança de pai para filho. Não conhece? Então, não teve infância. Mas ainda há tempo, sempre há. A infância, meu caro, não tem preconceitos nem de idade.

Texto publicado no jornal Estado de Minas, 12/10/2009

Um comentário:

Unknown disse...

Gostei muito do texto